O que são políticas públicas para as mulheres?
O fortalecimento do movimento feminista ocorreu no Brasil a partir dos anos 1970. Menos de uma década depois, se consolidou no Brasil um forte movimento feminista e também na área acadêmica, cujos reflexos, de imediato, se fizeram presentes na tentativa de incorporação da perspectiva de gênero nas políticas públicas e programas governamentais, com o intuito de estabelecer pautas políticas especificas e/ou direcionadas às mulheres (Farah, 2004; Bandeira, 2010, Soares, 2003; Godinho, 2007). Sem dúvida, foram e são ainda muitos os desafios para alcançá-las. Vale lembrar que o conceito de gênero estrutura-se a partir da ênfase nas relações sociais, políticas, econômicas e culturais, etc. entre os sexos, uma vez que sinaliza as condições de desigualdades presentes entre homens e mulheres, sobretudo, relações hierárquicas e de poder (Scott, 1995). Evidente que há outras desigualdades associadas, além de raça/etnia, classe, geração etc., tais como de acesso a outras dimensões da esfera pública, a saber, à justiça, à tecnologia, à saúde, ao sistema bancário/financeiro, entre outros. Assim, ao propor políticas públicas “de gênero” é necessário que se estabeleça o sentido das mudanças que se pretende, sobretudo, com vistas a contemplar a condição emancipatória e a dimensão de autonomia das mulheres.
Para que as desigualdades de gênero sejam combatidas no contexto do conjunto das desigualdades sócio-históricas e culturais herdadas, pressupõe-se que o Estado evidencie a disposição e a capacidade para redistribuir riqueza, assim como poder entre mulheres e homens, entre as regiões, classes, raças, etnias e gerações. Para tanto, é necessário compreender que as políticas públicas com recorte de gênero são as que reconhecem a diferença de gênero e, com base nesse reconhecimento, implementam ações diferenciadas dirigidas às mulheres (Farah, 2004; Silveira, 2003). No âmbito do executivo federal, são efetivadas pela Secretaria de Políticas para as Mulheres. Resultam do processo de mobilização das próprias mulheres, através de suas organizações, cujos resultados são as conferências em suas diversas instâncias municipais, estaduais e nacional. Além disso, é importante distinguir entre o que são políticas que têm a perspectiva da igualdade de gênero e aquelas que têm por alvo preferencial as mulheres; essa ‘divisão’ não significa que não estejam relacionadas. Em outras palavras, não é o fato de as mulheres serem centrais em determinadas políticas ou programas para que sua centralidade esteja assentada em uma perspectiva ou enfoque de gênero, ou seja, na construção da igualdade e no combate às discriminações. Por exemplo, políticas que reforçam o papel tradicional das mulheres como mães e cuidadoras dos filhos e das pessoas idosas, sem dar alternativas e/ou suporte para estas funções, não são políticas que buscam transformar o papel tradicional das mulheres – ou seja, não contribuem para transformar as relações de gênero. É indiscutível que o conceito de gênero tem ganhado força e destaque enquanto instrumento de fomento e de análise das condições das mulheres. Porém, não deve ser utilizado apenas como sinônimo de “mulher”.
O conceito é usado tanto para distinguir e descrever as categorias relacionais de mulher-feminino e de homem-masculino, ao mesmo tempo para examinar as relações de desigualdades e de poder estabelecidas entre ambos, assim como para identificar as relações desiguais intragênero presentes, sobretudo, entre as mulheres, seja de condição socioeconômica, racial, geracional, étnica, religiosa, regional entre outras. Pensar em política de “gênero” é legitimo, para atuar na lógica de políticas públicas considerando o peso do impacto diferenciado para homens e mulheres; tal lógica não se contrapõe ao reconhecimento, legitimidade e a importância nas/das ações voltadas para ao fortalecimento das mulheres que, enquanto um coletivo social, está ainda em condições de desigualdade e de subordinação em nossa na sociedade. Em outras palavras, a reflexão aqui proposta concentra-se no objetivo de vencer as desigualdades de gênero e estabelecer condições para a construção de políticas públicas de igualdade, a partir da impulsão de demanda das mulheres e de suas organizações. No executivo federal, as políticas públicas passam a ser orientadas pelo Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM), desdobradas pelos organismos governamentais de políticas para as mulheres – estaduais e 4 municipais. Estes devem enfatizar os sujeitos femininos, que, dentro e fora do Estado, são capazes de impulsionar as políticas de igualdade, influenciando e contribuindo às agendas das políticas nacionais. Ou seja, aponta-se para a questão que evidencia a importância do ativismo político das mulheres organizadas para assegurar políticas públicas de “gênero”, sem desconsiderar as fragilidades decorrentes da ausência de uma articulação nacional mais eficiente, tal como seria um sistema de políticas públicas para as mulheres.
É necessário, ainda, considerar a persistência dos papéis tradicionais da mulher, dentro do espaço doméstico, que estruturam a divisão sexual do trabalho, centrados no desempenho de esposas, mães, na área da reprodução social e dos cuidados. Isto é, a mulher fica voltada à esfera doméstica, que pouco contribui para a conquista da sua autonomia. Devem ser criadas novas estratégias e formas de articulação entre a vida familiar e a vida pública, visando romper com a tradicional divisão sexual do trabalho; uma vez que as mulheres, especificamente as negras e pobres – das cidades e da zona rural –, são os segmentos mais vulneráveis e excluídos da população, justificando a promoção de políticas ‘focalizadas’. A rígida divisão de papéis femininos e masculinos ainda vigente e que é deslocada para o espaço público – opondo a esfera produtiva à esfera reprodutiva – coloca-se no senso comum como modelo de família “normal e heteronormativa”: os homens são vistos como provedores e as mulheres, como responsáveis pela esfera doméstica. Essa composição familiar tradicional e conservadora “representada” ainda permanece, mas passou a conviver com outras realidades, tanto no que diz respeito aos múltiplos arranjos familiares existentes, quanto no que concerne à manutenção econômica, sobretudo das famílias monoparentais, em que as mulheres como responsáveis pelas famílias, são arranjos cada vez mais comum, A presença de um modelo estereotipado predominante no imaginário social invisibiliza as situações de conflitos relacionadas à violência sexista e ao racismo estruturador das relações sociais.