BREVE HISTÓRICO
Aprovada por unanimidade pelo Congresso Nacional e assinada em 7 de agosto de 2006, a Lei nº 11.340/2006 – popularmente conhecida como Lei Maria da Penha – tornou-se o principal instrumento legal para coibir e punir a violência doméstica praticada contra mulheres no Brasil.
A nome da Lei é uma homenagem à biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, que em 1983, enquanto dormia, recebeu um tiro do então marido, Marco Antônio Heredia Viveiros, que a deixou paraplégica. Depois de se recuperar, foi mantida em cárcere privado, sofreu outras agressões e nova tentativa de assassinato, também pelo marido, por eletrocussão. Procurou a Justiça e conseguiu deixar a casa, com as três filhas.
Ganhou notoriedade ao apresentar o seu caso à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos), a Lei Maria da Penha é considerada um avanço, pois reconhece como crime a violência intrafamiliar e doméstica, tipifica as situações de violência determinando a aplicação de pena de prisão ao agressor e garante o encaminhamento da vítima e seus dependentes a serviços de proteção e assistência social.
CONCEITO DE GÊNERO
Importante esclarecer, que para que sejam configurados os crimes envolvendo violência doméstica ou familiar e, por conseguinte, aplicação das disposições normativas da Lei Maria da Penha, faz-se necessário observar um elemento específico contido no caput do art. 5º, porquanto, não se trata de qualquer espécie de violência dirigida contra a mulher que vai determinar sua aplicação, mas, sim, aquela levada a efeito em decorrência do gênero, ou seja, não se trata de exemplificar, mas de obrigatoriedade da norma.
Portanto, para se ter uma perfeita compreensão e aplicação da norma, é imperioso saber o que é gênero, nos termos propostos pela Lei. Inicialmente, cabe ressaltar, que gênero não é um conceito extraído do ordenamento jurídico, não sendo encontrado no âmbito do Direito Penal, revelando-se um elemento normativo extrajurídico.
O conceito de gênero foi proposto por estudiosas feministas americanas (como Stoller e Gayle Rubin) na década de 70 como o objeto de estudo dos feminismos (Saffioti, H. I. B. (1999). Primórdios do conceito de gênero. Cadernos Pagu, 12,157-163). Tal conceituação é proposta para superar o determinismo biológico relacionado ao uso do termo sexo ou diferenciação sexual e destacar a construção social das identidades de homens e mulheres.
Para Edison Miguel da Silva Júnior ( SILVA JÚNIOR, Edison Miguel da. Direito penal de gênero. Lei nº 11.340/06: violência doméstica e familiar contra a mulher. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1231, 14 nov. 2006. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/9144>. Acesso em: 5 abr. 2018), o conceito de violência de gênero: “(...) violência baseada no gênero é aquela praticada pelo homem contra a mulher que revele uma concepção masculina de dominação social 27 (patriarcado), propiciada por relações culturalmente desiguais entre os sexos, nas quais o masculino define sua identidade social como superior à feminina, estabelecendo uma relação de poder e submissão que chega mesmo ao domínio do corpo da mulher.”
MUDANÇAS NA LEI MARIA DA PENHA: 2006 A 2019
A primeira alteração na Lei Maria da Penha é proveniente do advento da Lei nº 13.505/2017, que acrescenta alguns dispositivos na Lei de Violência Doméstica. Através da Lei nº1.505/2017 foram inseridos os seguintes dispositivos na Lei Maria da Penha:
A Lei 13.505/2017, determina, entre outras mudanças, que o trabalho prestados de atendimento à mulher vítima de violência doméstica deve ser prestado, preferencialmente, por servidoras do sexo feminino previamente capacitadas.
A lei também dá garantias quanto às perguntas e questionamentos que devem priorizar a saúde psicológica e emocional da mulher; protegê-la do contato com os agressores; e evitar a revitimização, ou seja, questionamentos sucessivos sobre o mesmo fato em diferentes fases do processo. Também foram incluídas novas diretrizes quanto ao local do atendimento e registro dos depoimentos.
As políticas e planos de atendimento às mulheres em situação de violência devem priorizar, segundo a Lei 13.505, a criação de Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deams), de Núcleos Investigativos de Feminicídio e de equipes especializadas para o atendimento e a investigação das violências graves contra a mulher.
Já no ano de 2018 houve o advento de duas leis (Lei nº 13.772, de 2018 e Lei nº 13.641, de 2018) que proveram outras mudanças no texto da Lei Maria da Penha, conforme verifica-se do quadro abaixo.
A Lei n.º 13.772/2018 trouxe um avanço que deve ser comemorado quanto ao art. 7.º, inciso II, da Lei Maria da Penha porquanto alterou a lei para expressamente constar que a “violação da intimidade” da mulher constituiria uma forma de violência no âmbito doméstico, em que o legislador ordinário a inseriu como violência psicológica.
A Lei nº 13.641/2018 alterou a Lei Maria da Penha e passou a prever como crime a conduta do agente que descumprir medida protetiva imposta, ou seja, referida Lei incluiu um novo crime, um tipo penal específico para essa conduta.
As maiores mudanças na Lei Maria da Penha se sucederam no ano de 2019, foram mais de 23 alterações legislativas, realizadas por meio de leis diversas a quais elencamos abaixo.
Lei nº 13.894/2019: Referida lei trouxe três alterações importantes, inseriu um novo inciso ao art. 9º §2º, trazendo ao juiz, nas situações que envolvem violência doméstica e familiar contra mulher, quando for o caso, a incumbência de encaminhar à assistência judiciária, inclusive para eventual ajuizamento da ação de separação judicial, de divórcio, de anulação de casamento ou de dissolução de união estável perante o juízo competente.
A segunda mudança, acrescentou uma nova redação ao art. 11, inciso V, e insere o art. 14-A e seus parágrafos e traz a atribuição de o Delegado de Polícia informar à ofendida os direitos a ela conferidos e os serviços a ela disponíveis, inclusive os de assistência judiciária para o eventual ajuizamento perante o juízo competente da ação de separação judicial, de divórcio, de anulação de casamento ou de dissolução de união estável.
A terceira alteração da Lei Maria da Penha, trouxe um acréscimo na redação do art. 18, inciso II, de modo que o juiz diante do recebimento de medida protetiva de urgência requerida pela vítima, deverá decidir em 48 (quarenta e oito) horas.
Lei nº 13.871, de 2019: Criou a obrigação de ressarcimento ao Estado pelos gastos relativos ao atendimento da vítima através do Sistema Único de Saúde (SUS), para aquele que por ação ou omissão, causar lesão, violência física, sexual ou psicológica e dano moral ou patrimonial a mulher.
Criou ainda outra sanção ao agressor, qual seja, de ressarcir os gastos estatais a utilização dos dispositivos de segurança destinados ao uso em caso de perigo iminente e disponibilizados para o monitoramento das vítimas de violência doméstica ou familiar amparadas por medidas protetivas.
Lei nº 13.882, de 2019: Essa alteração legislativa trouxe para as mulheres vítimas de violência doméstica e familiar a prioridade para matricular seus dependentes em instituição de educação básica mais próxima de seu domicílio, ou transferi-los para instituições mais próximas.
Outra modificação ocorreu no artigo 23, que trata-se das medidas protetivas de urgência à ofendida, determinado que o poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas.
Lei nº 13.880, de 2019: Instituiu a apreensão de arma de fogo sob posse de agressor em casos de violência doméstica, evitando que o agressor a utilize para qualquer finalidade e que a arma possa ser periciada e utilizada como prova no processo. E ainda suspende a posse proibindo, temporariamente, que o agressor tenha a arma no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, deste que este seja responsável legal da empresa.
Lei nº 13.836, de 2019: Torna obrigatória a inclusão de informação, nos boletins de ocorrência, quando a mulher vítima de agressão ou violência doméstica for pessoa com deficiência.
Lei nº 13.827, de 2019: Tal alteração legislativa permite que as medidas protetivas, no âmbito da Lei Maria da Penha, sejam aplicadas por Delegado de Polícia ou por policiais, com chancela a posteriori do Poder Judiciário.
Lei nº 13.984, de 2020: A mais recente alteração legislativa surge para estabelecer como medidas protetivas de urgência a frequência do agressor a centro de educação e de reabilitação e acompanhamento psicossocial.
A Lei n. 14.310 de 08 de março de 2022, alterou a Lei Maria da Penha para determinar o registro imediato, pela autoridade judicial, das medidas protetivas de urgência deferidas em favor da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes.
Com a nova redação, o parágrafo único do art. 38-A da LMP (Lei Maria da Penha) passa a constar da seguinte forma:
"Art.38-A. ...........................................................................................
Parágrafo único. As medidas protetivas de urgência serão, após sua concessão, imediatamente registradas em banco de dados mantido e regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça, garantido o acesso instantâneo do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos órgãos de segurança pública e de assistência social, com vistas à fiscalização e à efetividade das medidas protetivas."
Importante observar que existem vários Projetos de Lei em andamento no Congresso Nacional, que visam promover diversas alterações na Lei Maria da Penha. A Lei 11.340/06 é uma das conquistas adquiridas pela luta da mulher por maiores benefícios, garantias e proteção. E é importante falar sobre sua história, modificações e aplicação, de modo a se compreender que é uma das maiores, se não a maior, lei de proteção à mulher no território brasileiro.
VÍDEO
A Subsecretaria Estadual de Políticas Públicas para Mulheres lançou em agosto de 2016 uma versão da Lei Maria da Penha traduzida em libras, com o objetivo de garantir a acessibilidade e respeito a todas as mulheres em suas especificidades.
Acesse aqui a Lei Maria da Penha traduzida em libras.