"É preciso entender definitivamente que, quando há violência contra uma mulher nas relações conjugais, não estamos falando de um crime passional. Esta é uma expressão que temos que afastar do nosso vocabulário, porque essa morte não decorre da paixão ou de um conflito entre casais. Ela tem uma raiz estrutural e tem a ver com a desigualdade de gênero.” Wânia Pasinato, socióloga, pesquisadora e coordenadora de acesso à Justiça da ONU Mulheres no Brasil, para o Dossie Feminicídio, agência Patrícia Galvão.
Falar sobre o feminicídio, suas causas e como evitá-lo é fundamental para promover uma educação que respeite as mulheres e diminua os crimes de gênero. Abordar o respeito, a igualdade de gênero, os direitos das mulheres e esclarecer dúvidas são medidas que devem iniciar no contexto familiar e serem reforçadas desde a educação infantil.
Feminicídio é o assassinato de uma mulher por questões de gênero; ou seja, quando a vítima é mulher e quando o crime envolver (I) violência doméstica e familiar ou (II) menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Feminicídio por violência doméstica e familiar (também chamado de “feminicídio íntimo”) é quando o crime decorre da violência doméstica, na maioria das vezes praticada em âmbito familiar, por alguém conhecido, com quem a vítima possui ou possuía uma relação afetiva, em razão da perda do controle sobre a mulher, da propriedade que o agressor julgava ter sobre a mulher; o feminicídio por menosprezo ou discriminação é aquele que resulta da misoginia – que é o ódio ou aversão a mulheres, aversão a tudo que é feminino e, muitas das vezes, é precedido por violência sexual, mutilação e desfiguração da mulher.
Suas motivações mais usuais são o ódio, o desprezo ou o sentimento de perda do controle e da propriedade sobre as mulheres. É preciso tipificar esse crime e nominar as mortes violentas de mulheres, chamando a atenção para esse fenômeno que ceifa vidas, deixa crianças órfãs e destrói famílias.
Mas não é toda morte de mulher que se caracteriza um feminicídio. Para ser feminicídio é preciso que o crime tenha sido motivado por violência doméstica, por menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Quando o assassinato de uma mulher é decorrente, por exemplo, de latrocínio (roubo seguido de morte), de uma briga entre desconhecidos ou por outras razões, não há a configuração de feminicídio.
Dizemos que todo feminicídio é uma morte violenta, mas nem toda morte de mulher é um feminicídio. O feminicídio somente qualificará um homicídio nos casos descritos acima: “homicídio + razões de gênero”.
Para maiores informações e pesquisa, sugerimos o “Dossiê Feminicídio”, elaborado pela Agência Patrícia Galvão: clique aqui.
ORIGEM DO TERMO “FEMINICÍDIO”
A palavra "feminicídio" foi usado pela primeira vez pela socióloga sul-africana Diana Russel em um simpósio realizado em 1976, em Bruxelas, Bélgica. Russel participava do Tribunal Internacional de Crimes contra Mulheres e sustentou a ideia de criar uma definição específica para homicídios praticado contra as mulheres. Em 1992 escreveu o livro "Femicídio: a política de matar mulheres", obra que inspirou Marcela Lagarde, antropóloga da Universidade Autonoma do México (UNAM), que em 1998 trouxe o termo à discussão na América Latina, ao descrever os assassinatos de mulheres ocorridos desde 1993 em Ciudad Juarez, situada no Estado de Chihuahua, no norte do México, na fronteira com a cidade de El Paso (Texas/EUA).
Foram vários casos, todos envolvendo mortes cruéis de mulheres, encontradas torturadas, mutiladas e violadas, abandonadas em espaços públicos. Crimes que ocorreram por quase uma década e que ficaram conhecidos como “las mortas de Juarez”. A antropóloga constatou que não se tratavam de simples homicídios, mas de mortes com requintes de crueldade, de ódio extremo e específico contra mulheres. (https://heraldodemexico.com.mx/estados/en-25-anos-van-1775-feminicidios-en-ciudad-juarez/)
Eleita deputada federal no México em 2003, Lagarde criou a Comissão Especial de Feminicídio para investigar os crimes ocorridos em Ciudad Juarez, dando visibilidade ao fenômeno das mortes cruéis de mulheres em todo o país. Em 2007, propôs a criação de uma lei específica para coibir e punir os assassinatos de mulheres – o que se tornou realidade apenas em junho/2012, prevendo sanção de 40 a 60 anos de prisão.
Ciudad Juarez continua sendo um local de desaparecimento e mortes de mulheres: em 2018 foram contabilizados 129 assassinatos de mulheres (mas apenas 30 foram considerados feminicídios) e, de janeiro a agosto/2019, a cidade encabeça a lista dos 100 municípios com mais feminicídios do México, conforme divulgado pelo Informe sobre Violência contra as Mulheres em setembro/2019. (https://noticieros.televisa.com/ultimas-noticias/ciudad-juarez-encabeza-lista-feminicidios-nivel-nacional/)
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