Campo Grande (MS) – “Quem mandou terminar comigo? Se não era pra ser minha, não vai ser de mais ninguém”. Sentimento de posse, controle sobre o corpo e autonomia da mulher e a não aceitação do término do relacionamento estão entre as principais causas de morte por feminicídio.
Muitas mulheres sofrem violência doméstica e não denunciam. Algumas têm medo, vergonha ou dependem financeiramente do agressor; outras acreditam que ele pode mudar e voltar a ser o bom companheiro do início do relacionamento; tem as que amam demais e perdoam sempre; e, ainda, as que nem perceberam que estão vivendo uma situação de violência.
Ajudar essas mulheres a romper o silêncio e buscar ajuda especializada é o objetivo da Campanha Estadual de Combate ao Feminicídio, realizada na primeira semana do mês de junho. “Infelizmente, a grande maioria das vítimas são mulheres que não buscaram ajuda da rede de atendimento. Nosso propósito com a campanha é fazer com que essa mulher consiga identificar que está no ciclo da violência e rompê-lo com a ajuda de acompanhamento especializado, a fim de evitar o ápice da violência que é o feminicídio em sua forma tentada ou consumada”, explica a subsecretária estadual de Políticas Públicas para Mulheres, Luciana Azambuja.
Em Mato Grosso do Sul, nos cinco primeiros meses deste ano, 15 mulheres foram vítimas de feminicídio. Segundo o juiz Aluízio Pereira dos Santos, da 2ª Vara do Tribunal do Júri de Campo Grande, o feminicídio é um crime premeditado. “É premeditado porque o autor almeja o resultado morte. Ele planeja, por exemplo, compra a arma, confere a eficiência e quantidade de munição (projeteis), se apodera da faca, escolhe o tamanho, fica de tocaia, espera o momento para pegar a vítima desprevenida, mormente se ainda tiver a confiança dela no reduto do lar ou fora”, explica.
O magistrado reforça ainda que os julgamentos de casos de feminicídio consumado e tentado combatem a naturalização desse tipo de crime. “O Estado, graças aos movimentos feministas, cada vez mais vem priorizando a atenção a esses crimes, iniciando-se com as Delegacias de Polícia da Mulher, de forma que hoje estamos bem evoluídos no combate a esse tipo de violência”.
Há uma diferença entre os conceitos de homicídio e feminicídio. Homicídio é um conceito mais amplo e envolve assassinatos, independentemente do motivo. Já feminicídio é um tipo específico de homicídio, que é o praticado contra a mulher em decorrência do fato de ela ser mulher, o que pode envolver misoginia ou discriminação de gênero.
Os homicídios de mulheres que acontecem dentro de casa por conhecidos normalmente são considerados feminicídios. “O feminicídio é o ato mais bárbaro que se pode fazer com uma mulher, então é sabido que anteriormente ao ato final, essa vítima passou por uma série de violências psicológicas e físicas. (…) Por isso é importante ressaltar o papel da sociedade, amigos, vizinhos e parentes, tendo em vista que esse assunto ainda é tabu, então frases como ‘em briga de marido e mulher, não se mete a colher’ precisam ser deixadas de lado, pois muitas vezes a vítima de violência doméstica não tem forças para tomar coragem e denunciar”, alerta a delegada titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM), Fernanda Félix.
A crescente tensão nas relações tem ficado clara para quem acompanha os casos de violência contra a mulher neste período de isolamento social. Para ajudar essas mulheres, o Governo do Estado lançou recentemente o site www.naosecale.ms.gov.br, um canal com linguagem acessível para procurar informações sobre serviços e atendimentos, tirar dúvidas sobre procedimentos e legislações, além da possibilidade de entrar em contato para atendimento on-line. Outra opção é o canal de denúncias on-line na Delegacia Virtual: www.devir.pc.ms.gov.br/denuncia, objetivando manter a proteção integral e a repressão firme dos delitos de violência doméstica. Por fim, o aplicativo MS Digital facilita o acesso da população aos serviços essenciais de forma digital, sendo que os ícones Segurança e Mulher MS trazem orientações e possibilidade de denúncia on-line.
A defensora pública e coordenadora do Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem), Thais Dominato, destaca a importância do combate à violência doméstica para que ela não se torne um feminicídio. “Ao atendermos uma mulher em situação de violência doméstica, nosso objetivo é fazer o atendimento integral: atuar nas medidas protetivas; na defesa da vítima nos processos que tramitam nas varas de violência doméstica; ajuizar todas as ações necessárias para o rompimento do ciclo da violência (divórcio, dissolução de união estável, guarda, alimentos, partilha de bens etc); ajuizar ações de indenização por danos materiais e morais e pedidos de vagas em escolas para os filhos dessas mulheres. Todos esses atendimentos servem na prevenção do crime de feminicídio, que é o ápice”, finaliza. O Nudem na capital está atendendo por meio do telefone (67) 3313-5835 e também pela plataforma de atendimento virtual: www.defensoria.ms.def.br.
O promotor Douglas Oldegardo que atua em julgamentos de casos de feminicídio alerta que, “o primeiro ato de agressão física é uma luz vermelha acesa dentro de casa”. “Não desgrude o olho dela (…) O segundo ato de agressão dispara a sirene dessa luz vermelha. O compromisso foi quebrado (…) Ainda que seja longo o relacionamento, as pessoas mudam. Ele mudou. (…) registre a ocorrência e se proteja. Se depois de dizer que não aceita, você aceitar, você estará dizendo a ele: pode fazer, eu aceito”.
Em caso de violência contra a mulher, basta ligar para o telefone 190.
Publicado por: Jaqueline