Além de não resolver o problema da violência, a flexibilização do porte de armas para mulheres sob medida protetiva pode colocar a vida da vítima em risco. A afirmação é do promotor de Justiça Izonildo Gonçalves de Assunção Junior, da Promotoria de combate a Violência Doméstica em Dourados. No mesmo sentido, defendem especialistas ouvidos pela comissão de Defesa dos Direitos Humanos em audiência pública na Câmara Federal em outubro do ano passado. Eles vão ainda mais além e afirmam que além de não resolver a violência, a flexibilização pode impactar diretamente nos casos de feminicídio.
Esta é a visão da representante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Isabel Figueiredo. Ela ressaltou que o número de feminicídios aumentou 4% entre 2017 e 2018 no Brasil, segundo dados do Anuário de Segurança Pública. E acrescentou que o Atlas da Violência de 2018 mostra que 39% dos assassinatos de mulheres ocorre em casa, e as armas de fogo são o principal instrumento utilizado. Ainda segundo Isabel, a presença de uma arma de fogo aumenta em cinco vezes a chance de ocorrência de homicídio ou suicídio. Para ela, as políticas públicas do governo para a área não são baseadas nos dados e estatísticas disponíveis.
Em Dourados, o promotor de Justiça Izonildo Gonçalves de Assunção Junior explica que ainda não há um dado concreto para se afirmar que o porte de arma para mulheres abrigadas por decisão judicial que concedeu medidas protetivas de urgência interferirá, diretamente, no combate ao feminicídio ou na redução da violência doméstica e familiar. “Muitas profissionais brasileiras, em razão do cargo que ocupam, como é o caso das policiais civis e militares, integrantes das forças armadas, juízas, promotoras de justiça, dentre outras, têm o direito ao porte de arma de fogo, no entanto, não há indicativo de esse fator seja relevante para evitar agressão por parte de seus esposos, conviventes e namorados. Há o risco, ainda, de que a iniciativa potencialize a incidência de violência no âmbito doméstico ou familiar, agravando a situação. O mérito da Lei Maria da Penha é inegável, especialmente por propor medidas protetivas de urgência, com o fim de proteger imediatamente a ofendida”, destaca.
O promotor destaca ainda em estudo recente da ONU, divulgado em setembro de 2019, em Genebra, aponta que o acesso a armas em mãos de civis gera mais violência e abusos de direitos humanos. “E não há evidência da vinculação, ao contrário do que é propagado, entre a flexibilização do porte de armas e o aumento da capacidade das mulheres se defenderem em situação de violência doméstica. Mais: portar arma de fogo exige capacidade técnica, ausência de antecedentes criminais e condições psicológicas favoráveis. O que representará uma arma de fogo dentro de casa para uma mulher fragilizada e abalada psicologicamente pela violência doméstica e familiar? Armar as mulheres não resolverá o problema da violência. É preciso, com urgência, combater a ideia de superioridade de gênero arraigada na sociedade brasileira”, enfatiza.
Para Izonildo, a eficiência desse processo só será vista na educação dos homens quanto a igualdade de gênero. “Essa é a medida mais segura de que o indivíduo crescerá consciente de seu papel na sociedade como um ser igual a qualquer outro”, ressalta.
O promotor alerta para o fato de que, segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), o Brasil ocupa o quinto lugar no ranking mundial de feminicídio.
Desigualdade
Para o promotor, num ambiente onde homens e mulheres são identificados como possíveis autores e vítimas de violência, o critério de envolvimento, de um ou de outro, passa a ser definido a partir das relações desiguais que estabelecem. “Nessa perspectiva, é possível considerar que a violência contra mulheres tem crescido no Brasil, bem como a quantidade alarmante de feminicídios – dados recentes atestam a morte de 1.310 mulheres em 2019 vítimas de violência doméstica ou por sua condição de gênero -, constituindo-se grave violação dos direitos humanos. Em virtude disso, a legislação busca, paulatinamente, construir caminhos para cumprir sua finalidade de harmonização social”, analisa.
Segundo ele, é sabido que a Lei 11.340/06, além de representar um marco na efetivação da política para as mulheres no Brasil, surgiu com o objetivo de erradicar e punir as diversas formas de violência no âmbito doméstico e familiar existentes.
“A Lei Maria da Penha atendeu, assim, a determinação contida no parágrafo 8º, do artigo 226, da Constituição Federal, criando toda uma estrutura para um combate eficiente à violência familiar, com sanções mais rigorosas e com o mínimo de benefícios processuais, além de estabelecer medidas de assistência e proteção às mulheres vítimas. No seu ciclo de atualização, foi publicada a lei 13.641 de 3 de abril de 2018, que alterou a Lei Maria da Penha, para incluir o artigo 24-A, tipificando o crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência, cuja pena é de detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos. O desafio imposto, no âmbito do enfrentamento e combate à violência doméstica e familiar contra mulher, é lidar com as constantes propostas de alterações legislativas que, algumas vezes, se aprovadas, considerando os seus aspectos conflitantes, poderão desfigurar o núcleo vital da Lei Maria da Penha. A meu sentir, esse é o caso do Projeto de Lei 6278, de autoria do Deputado Sanderson – PSL/RS, apresentado em 04/12/2019, que tem como objetivo alterar a Lei 10.826, de 22 de dezembro de 2003, para autorizar o porte de arma de fogo para as mulheres sob medida protetiva devidamente decretada por ordem judicial”, destaca.
Tramitação
Projeto de Lei 6278, de autoria do Deputado Sanderson – PSL/RS tramita em caráter conclusivo e será analisado pelas comissões de Defesa dos Direitos da Mulher; de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.
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Publicado por: Jaqueline